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Para começarmos

Pensei muito sobre qual tema deveria abordar em minha postagem inaugural neste blog. Sendo direto, o quê escreverei neste texto é sobre justamente o que eu não pretendia sequer abordar em momento algum, quanto mais torná-lo o assunto inaugural. Porém, após ponderar muito, após ter feito excelentes leituras inspiradoras, após ter avaliado o momento que estou na vida, entendendo melhor meu passado e tendo clareza do que pretendo no futuro, revelar este ponto foi tornando-se, pouco a pouco, a escolha necessária e inevitável.


Perguntei-me também qual seria o público alvo para meus textos: músicos já atuantes, aspirantes à vida artística, pessoas que seguem meus projetos em geral, curiosos com o que ando fazendo, gente que pretende mudar de rumo em sua vida, ex-alunos? Consigo pensar tranquilamente em algumas categorias de interessados, mas sei que todo trabalho virtual pode alcançar os mais inimagináveis públicos, fato que ainda continua a me espantar, mesmo estando ligado à produção de conteúdo na internet há quase vinte anos. Se você se enquadra em alguma destas categorias, sinta-se à vontade, fico muito feliz que você esteja aqui. Agora, se você não se enquadra em nenhumas destas categorias que citei, receba meu agradecimento pelos acasos da vida que lhe trouxeram aqui e pela sua atenção.


De toda maneira, acredito que a maioria dos olhos que percorrerão este recém-criado blog seja de pessoas ligadas a música, cantoras ou cantores, violonistas ou instrumentistas em geral, interessados em dicas ou no compartilhamento das experiências de alguém que escolheu a música como maneira de viver. E é, sem dúvidas, sobre isso que escreverei na maior parte do tempo. Processos de ensaio, montagem de repertório, situações com contratantes, coisas boas e ruins do dia a dia, surpresas nas apresentações, o trabalho mental necessário para enfrentar as inseguranças etc.


Boa parte do que direi aqui jamais compartilhei com outras pessoas. Apesar de eu não ter, geralmente, problemas com inibição, escrever, em vez de fazer vídeos, neste caso, pareceu-me uma maneira mais ponderada de exteriorizar minhas emoções e vivências. Gosto de escrever desde a adolescência e já escrevi, semiprofissionalmente, sobre jogos, música, cinema, esportes, mas nunca sobre tópicos mais pessoais. Pretendo aqui, ao dar dicas e ao falar de situações vividas, atingir e ajudar, (tomara), um bom número de pessoas. Bem sei, no entanto, que ao organizar as ideias, revisitar momentos e elaborar tópicos para montar as postagens, estarei mais uma vez de frente com muito do que se passou comigo, trazendo novamente as alegrias, as frustrações, os desafios, o que será uma atividade ainda mais profunda de autoconhecimento. Ao deixar este blog em acesso restrito, não me preocuparei com a extensão do texto, com o estilo ou com os temas propostos. Deixo-o apenas para as pessoas que, de algum modo, fazem ou querem fazer parte de minha caminhada, uma caminhada que precisou e precisa estar aquém da música. Sendo assim, minhas parceiras e parceiros de leitura merecem receber minha versão mais autêntica, o que condiz com minha jornada de investigação pessoal neste projeto.


Ponto de virada


Posto tudo isso, quero contar, para quem conhece, exclusivamente, meu trabalho com música brasileira, que até a pandemia de COVID-19 eu não era músico no sentido estrito do termo, não era cantor e que até pouco antes da pandemia, eu havia ficado anos afastado do violão. Antes disso, o que eu tinha de atividade musical era um profundo e insaciável interesse por música desde criança, que me fazia ouvir e ler tudo que encontrasse sobre o tema, ter aprendido um violão básico na adolescência, ter brincado com alguns projetos de covers e montado uma banda de música autoral há vinte anos que ficou restrita a círculos pequenos em meu município. Eram tempos pré-popularização da internet, sem chances de ampla divulgação e, apesar de eu acreditar na qualidade desse último projeto, coloquei-o na gaveta. Todas estas práticas foram muito intuitivas, sem planejamento sério e sem a coragem em prosseguir. Repito o termo coragem, pois a vontade sempre esteve lá. Alguém poderia dizer, contudo, que sou músico desde muito jovem, desde quando comecei a namorar o violão Di Giorgio Clássico 38 de meu pai, presente até hoje comigo, mas mesmo sendo o destino de meu tempo livre e de meus recursos financeiros por todos estes anos, nunca havia assumido a arte como profissão.


Segui, por quase trinta anos, a carreira profissional que apareceu na minha frente aos 18 anos e na qual me mantive até a pandemia. Em todas as vezes que a música pulsou mais forte em mim como possibilidade de caminho, eu a recusei e optei pela estrada convencional, segura. Sendo bem sincero, optei pela estrada cômoda. E essa opção deixou marcas que ainda hoje me concentro em eliminar, mas fico bem mais tranquilo em perceber que grande parte do peso que essa escolha causou já foi, ao menos, resolvida, seja mentalmente na reavaliação de quem sou e do que quero, seja na efetivação de ações para mudar de rumo.


Antes de saber qual foi minha carreira, acho que é mais interessante para você saber um pouco do aconteceu nestes anos todos. Não vou negar que tive bons anos e bons momentos. Houve fases de satisfação que me faziam continuar, apesar das pequenas frustrações diárias. Satisfação pode ser uma palavra muito enganosa para usar agora, mas ficarei com ela, por enquanto. Criei um bom número de ideias de autoconvencimento para justificar porque eu, ano após ano, continuava no mesmo ofício, apesar dos vários sinais cada vez mais evidentes que me alertavam do contrário. Uma delas era “todo dia temos alegrias e frustrações nesta profissão, mas as alegrias sempre vencem a contagem final”. Esta foi a primeira vez que coloquei isso no papel, em vez de a dizer. Escrever e olhar para esta frase me dá até vergonha, primeiro porque o dia de alguém não pode ser uma mera contagem de coisas boas e ruins, segundo porque eu muitas vezes roubei a contagem em favor das “alegrias”. Claro, por contagem entendo um balanço final emocional ao concluir o expediente, não uma listagem completa de coisas boas e ruins diárias, no entanto, muitas vezes eu saí de lá com o time das frustrações vencendo e sequer pensava nisso porque o comodismo, o medo das incertezas das mudanças, a minha idade e meus passatempos fora do trabalho, que serviam de paliativos, tumultuavam minha visão das coisas.